Fred Fogaça nasceu em Sertãozinho, interior de São Paulo. Professor de ensino tecnológico no Instituto Federal de São Paulo, é escritor e vem fazendo vários experimentos com a fotografia. Em sua passagem pelo Crônica do Dia, do qual foi cronista por quatro anos, participou da antologia Retire aqui a sua história (Editora Sinete, 2022), ao lado de outros colaboradores do coletivo. O romance A cidade dos cachorros abandonados é seu primeiro livro publicado.

 

Por Whisner Fraga

 

a personagem principal deste “a cidade dos cachorros abandonados”, como o título sugere, parece ser a urbe e tudo o que nela pulsa e reage. santiago e bartolomeu são produtos desse aglomerado de regras e agressões, mas, igualmente interferem e reformulam o relacionamento com as coisas: concretos, aços, mecanismos, leis, corpos, territórios,


santiago se convence da própria mentira e não precisa repeti-la mil vezes para que se torne verdade, a mentira é sedutora o suficiente para domar o instinto do absurdo, para reafirmar a crença em algo insubmisso, mas reconfortante, 


santiago não pode ser apenas essa verdade reformulada, ele precisa ser mais, ele precisa ser o a mentira desmoderada, sorrateira, inebriante: a pós-verdade, 


a vaidade suprema,


e bartolomeu está ali, como um espectro, para infundir a crença de que não é um homem comum, mas um ser destinado aos enigmas, um pária que encontra conforto nos mecanismos, nos sistemas nunca exatos das indústrias, com suas linguagens e símbolos e engates e ajustes e calibragens que só resgatam as peripécias das incertezas: tudo é tão real nestes engenhos, como se houvesse apenas a linguagem precisa dos comandos de máquinas,


a exatidão dos fluídos ideais, da física clássica, da matemática moderna, da autoridade do pensamento, do raciocínio sobre a obediência: a castração, é preciso esterilizar os movimentos projetados, planejados em mil planilhas e softwares, tudo sincronizado,


até o amor, essa outra face da angústia,


a linguagem que fred fogaça emula de forma tão brilhante: a verdade é essa confusão, é quando as engrenagens, os cames, os rolamentos, desistem dos acoplamentos para venerar a utilidade dos dispositivos: a produção pode esperar,


os relacionamentos são apenas parte de toda essa linha de montagem,


nos monólogos entre santiago e bartolomeu, o leitor percebe o profundo conflito em jogo neste romance: de que vale a realidade?, o que é a realidade, em última instância, senão tudo que a mente interpreta e decide como real?,


fred fogaça nos mostra o abismo, nos convida ao último passo e, enquanto caímos, podemos experimentar o êxtase de toda a nossa ilusão.