Por Mário Baggio

 

AS HISTÓRIAS ESTÃO POR AÍ.
NOVAS VOZES VIERAM CONTÁ-LAS

Uma editora (a Sinete) e um canal literário na internet (o Acontece nos Livros, do escritor Whisner Fraga) se uniram para produzir uma coletânea de contos. Criaram um concurso, avaliaram os textos concorrentes e selecionaram os dez contos deste volume. Assim nasceu Quando não estávamos distraídos, conjunto de histórias que dá oportunidade e voz a autores e autoras que ainda não as tinham. Uma antologia. Sangue novo injetado nas letras brasileiras, ansioso por jorrar. E que jorro! 


O conto, ou a narrativa curta, gênero literário muitas vezes relegado ao papel de coadjuvante na literatura (o protagonista é, quase sempre, o romance; vá lá, a poesia também tem seus momentos de atriz principal), já provou, sem lugar a dúvida, sua capacidade de ser primeiro ator. Que o digam Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Alê Motta, Marcelino Freire, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Luiz Vilela, Ivan Ângelo, Murilo Rubião, Aníbal Machado, João Anzanello Carrascoza, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Nélida Piñon, Marcelo Moutinho, Hemingway, Alice Munro e tantos outros que, em muitos momentos de sua carreira, ou exclusivamente em sua trajetória, fizeram da prosa curta a forma de se expressar e de fazer literatura. Uma antologia de contos, portanto, é mais do que bem-vinda: é necessária, pois permite apresentar aos leitores novíssimos nomes de escritores e escritoras que, não fosse assim, teriam de lidar com muitas outras dificuldades para trazer sua arte à luz.


Contar uma história que, em poucos parágrafos, define trama, personagens e contexto, não é tarefa simples. Exige domínio da palavra e da linguagem, noção de ritmo e fluidez, capacidade de estimular a imaginação do leitor e ganhar sua compreensão. Não é pouca coisa.
Espanto e deslumbramento foram as sensações que tive ao começar e avançar na leitura dos contos deste volume. A qualidade de todos os dez textos é inegável, chegando alguns deles a atingir a categoria da excepcionalidade. É de se perguntar onde estavam e o que faziam os escritores e as escritoras com esse tanto de grandeza e talento para engendrar e pôr em livro histórias tão originais quanto estas. Transgressão, atrevimento, ousadia, modernidade, rigor estético: Quando não estávamos distraídos é coletânea prenhe de sinônimos.


Os textos desta antologia demonstram o quão modernos são seus autores e autoras, que deixam claro seu apreço pela fluência da escrita e seu amor pela prosa breve e pela concisão. São escritores e escritoras que dispensam as firulas, conscientes de que o ponto final existe e está aí para ser usado. Há rigor na linguagem que utilizam para contar uma história, e urgência. Tudo é justo, nada sobra. Ponto.


É difícil para o prefaciador destacar este ou aquele conto numa coletânea de narrativas excelentes, mas algumas menções se fazem necessárias para justificar o espanto e o deslumbramento a que me referi acima (que o leitor as veja como estímulo para mergulhar na leitura deste volume). Falo de “O casal do farol”, “Sobreviventes”, “Pasta temporária para uma norma culta” e “O divinador”. Nesses contos saltam aos olhos a rigorosa escolha das palavras, o apuro estético, a evidente quebra de paradigmas da narrativa tradicional, a inovação na forma de contar uma história, a originalidade dos temas, a heterodoxia da pontuação e da construção de frases e parágrafos. É surpresa atrás de surpresa, para deleite do leitor e mais: têm desenvolvimento e desfecho que fazem jus ao “nocaute” de que falava Cortázar — o autor argentino, inclusive, é lembrado no ótimo “Casa retomada”.


Hugo Almeida, Ana Cecília Carvalho, Léllis Luna, Juliana Berlim, Beatriz Magalhães, Claudia Almeida, Renan Barros, Sandra Santos, Evandro Gomes e Rafael Ifaponle são nomes que, agora impressos em letra de forma neste volume, já podem reivindicar atenção e merecido reconhecimento. Que os leitores não os percam de vista.