No meio literário, não é rara a discussão. Afinal, crônica é ou não literatura?
De um lado, os ortodoxos asseveram que a premissa da literatura é a ficcionalidade. Literatura pressupõe criação, invenção com as palavras e, portanto, conto e romance seriam literatura, mas crônica não.
De outro, especialistas mais flexíveis defendem que impor fronteiras rígidas entre os gêneros mais atrapalha que ajuda. Argumentam – inclusive com bases filosóficas – que a crônica parte de um recorte específico da realidade, mas o modo que o escritor relata o fato já se distancia do fato. Aliás, o fato em si sequer existe. Existe a visão do cronista sobre o fato. E ninguém há de discordar que todo recorte é arbitrário, ou melhor, subjetivo. Além do mais, o recorte feito pelo cronista é recepcionado de modo múltiplo, de acordo com a visão de mundo de cada leitor. Por fim, estes estudiosos recorrem a crônicas de escritores do porte de Machado de Assis e Clarice Lispector para reforçar a literariedade dos textos.
Bom, se concordarmos que, em literatura, tão importante quanto “o que” se diz é “como” se diz, a crônica é sim arte literária. Porém, talvez este nem seja um debate necessário. O importante para o leitor, diante de um texto, é a fruição, é o que ele extrai daquelas palavras. Heráclito, filósofo da antiguidade, afirmou que uma pessoa jamais entra duas vezes no mesmo rio porque, da segunda vez, não é o mesmo rio tampouco a mesma pessoa. Raciocínio semelhante talvez valha para um texto. Se o leitor sai dele diferente do que entrou, já valeu a leitura. E, provavelmente, é o que acontecerá ao mergulhar na coletânea de crônicas que aqui se apresenta.
Textos ora leves, ora densos. Ora divertidos, ora reflexivos. Textos que expressam os pedaços de realidade de modo criativo para que nós, leitores, consigamos enxergar o cotidiano por meio dessas janelas-crônicas.
O título da coletânea é muito propício, aliás. As “perspectivas” múltiplas dos autores e autoras, emprestando aos fatos sua visão de mundo. As “ilusões” verdadeiras que a literatura é capaz de suscitar. E os “contentamentos” dos leitores em poderem apreciar textos tão variados e de excelência literária.
Se a crônica é ou não é arte eu sinceramente não sei. O que sei é que ao ler essas crônicas fui atravessado pelas palavras. E esse arrebatamento não precisa de rótulo.
Matheus Arcaro é escritor e filósofo.